segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Ler com o Sr. Luís #2

LER EM DITADURA

É então que começa a editar livros?

Quando vim para cá comecei a fazer distribuições de pessoas amigas, em geral autores proibidos como o Padre Felicidade Alves, o Raúl Rego... Entre as editoras contava-se a Raíz de Tomar, que já faliu e que só editava livros proibidos. Foi aí que começou a perseguição da PIDE. Sabia que eu era o distribuidor da Raíz, que recebia livros brasileiros proibidos...

Como é que fugia à PIDE?
Fazíamos, por exemplo, 5000 exemplares e a tipografia passáva-nos uma factura de 1500. Sobre esses 1500 é que nós facturávamos a todas as livrarias. Ficavam 3500 para vender pela porta do cavalo, como se costumava dizer. Era isso que nos salvava. Dos 1500 eram apreendidos, se calhar, uns 700 ou 800. Isto porque as apreensões vinham 3 ou 4 dias depois de estarem os livros nas livrarias. Deu-se um caso muito engraçado com o livro “Citações do Presidente Mao Tse-Tung”, que editei em 1972 ou 1973. No tempo do Marcelo, veio uma circular da censura, em que este livro deixava de ser proibido. Eu tinha o livro do Mao Tse-Tung debaixo da mesa, que já vinha da China traduzido para português. Fui à tipografia e pedi para me fazerem 5000 exemplares, visto que estava autorizado. Só que quando o livro estava pronto para entrega, apareceu lá uma brigada da PIDE, que apreendeu os livros, mas não os levou logo. Avisaram-me da tipografia e eu peguei na circular e fui à sede da PIDE, na António Maria Cardoso. Apresentei-me e apresentei o caso. Eles admitiram que tinham apreendido os livros e eu mostrei a circular da censura. Eles tiveram que dar o braço a torcer e dar ordem à tipografia para me entregar os livros.

Foi essa a única vez que foi à PIDE?
Não. Fui chamado à PIDE 3 vezes. Porque editei 3 livros antes do 25 de Abril, na colecção Cadernos Maria da Fonte, que foram proibidos: “Sobre a Repressão” (Victor Serge), “Sobre a Emancipação da Mulher” (Marx, Engels, Lenine e Kollontai) e “Citações do Presidente Mao Tse-Tung”.

O que é que se passou dessas vezes que foi chamado à PIDE?
Trataram-me bem. Só me disseram que eu deixasse de editar livros deste género, senão viam-se obrigados a fechar-me a livraria. Mas não me bateram. É claro que me fizeram estar à espera uma data de tempo. Perdi lá dias inteiros. Era a filosofia deles. Mas ameaçaram-me e a livraria foi fechada mais do que uma vez para passarem vistoria aos livros.

Tinha uma zona escondida na livraria?
Sim, no andar de baixo. Antes de ter sido pronto-a-vestir, este espaço foi uma drogaria, e tinha lá em baixo uma casa-forte. O meu cunhado fez-me uma separação com prateleiras, atrás das quais tinha as coisas escondidas.

Descobriram-lhe alguma vez o segredo?
Não. Nunca descobriram. Mas eu comecei a ter medo e houve uma vez que quase descobriram. Tiraram os livros todos das prateleiras para ver se estava alguma coisa atrás, mas não deram por nada e lá me safei. Mas com receio, aluguei um mini-armazém também aqui em Campo de Ourique, ali onde está a Presidência do Conselho de Ministros, e pus lá os livros proibidos. Para despistar, o armazém foi alugado em nome de Luís Alves Dias e não em nome da Livraria Ler. Assim estava mais seguro.

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